domingo, 14 de agosto de 2011

Crónica 2

Nós, os católicos latinos – pueris, agressivos, tribais, afectuosos –, não compreendemos e tememos qualquer distância prévia entre os homens. A distância antecipada, a existir, é uma traição à nossa matriz cultural – ou o produto de sérios traumas, desilusões e frustações [de amor ou de amizade].
Sem prova – retumbante ou continuada – em contrário, entrosamo-nos, aproximamo-nos, damos e solicitamos o possível – quer dizer, tudo! – em troca.
Um dos modos de trilhar, em minutos, as distâncias decorrentes das diferenças de carácter, de sentimentos, de experiências e de mundividência [afinal, as distâncias quase intransponíveis em tempos de agudo egocentrismo], é a confidência. Entenda-se: conceder e partilhar informação que, sem qualquer valor imediato, permite ao outro aceder a um acervo parcial dos nossos segredos; ou, se se quiser, que permite ao outro transpor as portas e ser hóspede da nossa casa [daí, também, a nossa prodigalidade na hospitalidade].
Quando a partilha não se coíbe de invadir a casa de terceiros – aí estamos no terreno da coscuvilhice, esse igualmente excelente expediente de cruzar espaços íntimos mentais e de construir amizades, transitórias ou não.
[Ao mexerico, ou à bilhardice, conceito cunhado pelos meus antepassados, dedicarei uma crónica futura.]
Em tempos de egocentrismo e de perniciosa intrusão de preceitos e cosmovisão trazidos, sem mais, de outras latitudes [ao norte do Velho Continente], a minha geração evita a coscuvilhice [detesta-a por mera auto e hetero imposição progressista, abstracta e vazia].
Daí decorre a relevância, por falta de outras ferramentas, da confidência sem crivos ou filtros. Ao abrir do pano, o espectáculo consiste numa troca de informação, entre amigos, conhecidos e recém-conhecidos, que vai para além de comezinhas discussões. Não sabemos discutir ideias e apetências sem sermos agressivos, indiferentes, surdos, monossilábicos – ninguém pede ao esquilo, que trepa árvores, que voe.
Sabemos e falamos da mecânica do amor e da amizade, tendo-nos por maquinistas. E pretendemos, na primeira pessoa, aprender e ensinar – como eternos alunos e mestres.
O próximo passo, fim do processo de imitação de um ideal pálido e estranho – para nós, filhos de Trento – de impessoalidade, será o de negarmos até este reduto de calor.
Que Deus nos valha.

2 comentários:

  1. Aos 4 adjectivos iniciais atribuídos aos católicos latinos, acrescento um certo autismo emocional invertido, que se manifesta numa falsa (e tão temida) apologia à proximidade exagerada. Porque se soubessem o que verdadeira proximidade significa seriam bem mais selectivos na partilha de emoções. O usufruto da esfera privada é o maior luxo que o ser humano possui - use it sparingly!

    ResponderEliminar
  2. Nos 4 atributos que abrem a crónica estão, simultaneamente, algumas das qualidades e defeitos dos católicos latinos. A partilha de emoções é, de facto, uma questão de grau, e ainda uma necessidade perigosa mas fecunda. Sure, use it sparingly - but use it!

    ResponderEliminar