quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Crónica 25

Deitado de borco estava um homem. Ora cruzava as mãos nas costas, ora entrelaçava os dedos em resguardo da nuca. As lágrimas – ou o suor – humedeciam o pó do solo; e os soluços, que tornavam o abdómen um fole, eram a espaços o culminar de um frémito que lhe percorria todo o corpo. Por vezes, virava a cara para a direita e era como se desejasse ter perdido a capacidade de ver – os olhos numa suspensão baça e aguda.
À direita estava, a cerca de três metros, um outro homem de cócoras – nos olhos uma suspensão de lâmina. Os beiços estavam colados um ao outro, mas ou o vento, ou uma outra fonte imperscrutável, originava um rumor sibilante – uma vaga que, num volume constante, saturava e precipitava o ar.
Quem observasse este cenário diria que eram homens gémeos; um de pele humana, de tez morena – outro de pele anfíbia, de uma alvura baça; o positivo – o negativo; a afirmação – a negação. De resto, eram iguais em tudo, até no trajar.
Os movimentos de um e a imobilidade de outro duraram o tempo necessário para que um pintor – ou um deus – os gravasse numa tela – ou num apocalipse.
A imobilidade acometeu enfim o primeiro homem. Nesse momento, alonga o pescoço o segundo homem, num movimento que, para o sósia, tão ruidoso era de tão velado.
O primeiro homem principia a erguer-se, tomando o cuidado de nunca voltar o peito e o rosto à terra – como se esta fosse um reduto de que não quisesse se apartar. Como animal quadrúpede fica suspenso, a fitar o solo, durante um minuto – ou uma hora. Por fim, e com lentidão, levanta-se. O corpo fica voltado para sul. O pé direito, quase independente, traça uma linha que a terra poeirenta deixou gravar, e volta a suster metade do peso do corpo. Ao seu poente permanecia imóvel o outro homem.
Este levanta-se, sem denunciar o momento em que o fez. Agachado estava – erecto ficou. Os olhos adquiriram, agora, uma tonalidade de suspensão indiferente. A lâmina não precisava de mais fio.
O primeiro homem, finalmente, volta-se para poente, encarando o segundo. Dir-se-ia serem homens iguais, cópias – dois exemplares saídos do mesmo molde. Na fonte direita do primeiro pulsava uma veia escarlate; a pele escurecia com o ocaso do dia. Na fonte esquerda do segundo mais nítido ficava um veio azul; a camada superficial da pele tornava-se translúcida e mais aquosa.
Dir-se-ia serem os opostos – os contrários – os avessos. De resto, permaneciam iguais.
O segundo homem precipita-se sobre o primeiro e, num amplexo, uma sombra enredada logo os apagou. O rumor sibilante havia cessado.