terça-feira, 16 de agosto de 2011

Crónica 3

Eu explico-vos o que coarcta a mobilidade social de um indivíduo: a tribo.
A tribo que desdenha de qualquer conseguimento fora daquele a que a sua tradição e o seu grupo social pertencem [e a mobilidade passa logo por aí – por pensar e agir fora da tradição e do grupo social a que se pertence]; a tribo que encolhe os ombros perante qualquer sucesso ou dificuldade que provenham de sistemas exteriores aos seus; a tribo que tece comentários de um sarcasmo de cinco tostões; a tribo que desvaloriza e que não reconhece um capital de orgulho novo perante os outros [que estão fora da tribo]; a tribo que olha de soslaio ou boquiaberta no mais simples quotidiano [por exemplo, quando se folheia um livro].
Há quem professe a ideia axial da maior liberdade pessoal possível – há quem a defenda com tudo o que tem e pensa. Quem o faz não pode eximir-se, por conseguinte, da agudeza da responsabilidade individual e social que provem de tudo o que faz e pensa. Logo, tudo o que nos acontece – ou não acontece – advém da nossa acção – ou inacção.
Porém, nunca fez mal a ninguém pensar em termos contextuais. [As ciências sociais, com todo o seu cortejo de ideias transvestidas e garridas, trouxe, pelo menos, o condão de obrigar a matutar no contexto onde nascemos, laboramos e morremos]. Vencer é saber os obstáculos mais próximos – os mais silenciosos, morosos, insidiosos e mortais. Estão sempre aqui ao lado. Vencê-los equivale a respirar: é acção constante, de vigilância contínua, de inspirar a desadequação sentida – em nós projectada – e de expirar o desconhecimento e o desdém que se nos colam.
E pensar em modos contextuais é apenas isso: um conjunto de instrumentos de entendimento. Ao corajoso, exige-se acção. [É pela acção que se lhe concede esse epíteto.] Poucos, no entanto, reconhecem coragem na necessidade de conhecer o que temos de percorrer e de transpor. É esse o primeiro denodo, o primeiro arrojo – e é-o ainda porque a enormidade da tarefa, quando reconhecida, será, porventura legitimamente, o primeiro obstáculo intransponível.
Não há luta de classes. E de certo modo não existe luta de classes porque confinamo-nos, por instinto primordial, ao nosso grupo social. Do grupo social sair-se-á apenas por engano ou distracção [se a tribo deixar – por exemplo, trocando o que acima expus por entusiasmo infantil]. Dando nós fé da situação, a de uma efectiva mudança de estatuto social, duas soluções daí brotam. A filantropia; o desprezo pelos outros – não raras vezes coligados.

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