domingo, 14 de agosto de 2011

Crónica 1

Um jovem professor abraça a noção, sobretudo quando a dúvida vocacional se lhe implanta no imo, de que é um agente de mudança do mundo – que cada aluno é uma molécula de uma matéria transformada e transformadora.
[Quando a dúvida vocacional não existe, quando há a descrença na vocação – descrença que é fardo e apanágio de poucos –, presumo que o melhor que o pedagogo pode é aprender uma profissão manual, sem admitir aprendiz.]
O jovem professor reproduz, destarte, geração após geração, um dos enganos mais antigos desde que a humanidade teve de lutar pela sobrevivência [luta que teria de salvaguardar, em primeiro lugar, a sobrevivência do conhecimento]. O engano: que conhecimento é mudança e que a mudança inscrever-se-ia numa linha de progresso sempre ascendente. Veios de transmissão ideológicos e moralistas de uma teleologia bem vincada – afinal, que somos nós, primordialmente? Ainda que zelando pelos saberes tradicionais, conservando-os, que somos nós, quando ensinamos, senão pretensos obreiros de desenvolvimento controlado e ingénuo?
[Meia crónica escrita, parto agora em busca das palavras certas.]
A mim o destino concedeu a oportunidade institucionalizada de exercer, por breve tempo, a profissão mais nobre do mundo. Deste modo: efebo perdido entre uma horda dos entes mais calculistas que pude conhecer.
A adolescência é um conceito que tem o condão de, apenas enunciado, se tornar, por si só, argumento justificável dos comportamentos de uma faixa etária que a história recente fez nascer.
Uma sala de aulas cheia de olhares carnívoros e lúbricos – e o meu corpo assim dilacerado – era o espaço habitual do exercício da profissão.
Fora, a savana rugia, de agressividade e sentimentos contraditórios.
Alguns cães transpunham as entradas da escola e confraternizavam com os estudantes. Elas – sobretudo elas – e eles acarinhavam os bichos. Não obstante, por razões sanitárias – não sei se a favor dos animais ou dos alunos – tratava-se de expulsar os primeiros usando métodos coercivos.
Duas alunas observei, da janela de uma sala de trabalho do 1.º piso. Principiaram a chorar copiosamente quando um pequeno cão foi açaimado de modo grosseiro – e levado. Choravam até que – os meus olhos de espanto sinistro –, em acto contínuo, começaram a gargalhar furiosamente, amparadas uma na outra, curtindo o sentimento de pesar encenado que só podia resolver e explodir em esgares de riso. Este vai-vém manteve-se, não me lembro já, mais uma ou duas vezes: choro, gargalhada, choro, gargalhada.
Afastei-me da janela inseguro, ainda hoje, passados quase 10 anos, do que vi.

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