segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Crónica 29 [Política na Madeira]

Hoje, este vosso aprendiz de cronista – um humilde observador, interessado nas coisas da nossa terra – traz um assunto inédito: Política [na Madeira].
Não estou a brincar. Perdão, é claro que brinco. Muito se fala e se escreve – nas crónicas deste periódico, por exemplo – sobre política na Madeira. E, à semelhança do que ocorre no restante Portugal, ainda que com características mais perversas, a política é discutida na Madeira sob o prisma quase exclusivamente partidário. Os responsáveis políticos têm a prática – e têm o discurso. José Gil disse que os políticos «fazem o discurso e o metadiscurso». [Fica sempre bem uma citação, diga-se, sobretudo quando vem a propósito.]
Daí decorre que não haja verdadeira discussão – apenas a construção e manutenção de barricadas partidárias, com a constante contagem de espingardas e o recorrente esforço no recrutamento de tropas e no aprovisionamento de munições. Uma guerra, portanto. [Não era necessário dizê-lo, mas fica dito.]
Não há discussão, pois. E não há análise – informada e ensaística, se quisermos, e não imbuída de agendas e objectivos político-partidários explícitos [ou implícitos]. Por outro lado, uma análise de cariz sociológico ou politológico ou não existe, ou fica refém de jargões que circulam em circuito fechado, ou não deixa de servir interesses partidários.
Afora este facto, interessa olhar mais um ou dois fenómenos relacionados com o comportamento político dos madeirenses.
Como este: discutir política na Madeira consiste em discutir a vida interna do partido maioritário – do PSD-Madeira [é necessário frisar que isto se aplica, não a todos, mas à maior parte dos madeirenses?]. Este fenómeno é a consequência última da ocupação de todos os espaços de poder no arquipélago por parte do PSD. [E este arquipélago, após o advento da autonomia político-administrativa, assistiu a uma proliferação de espaços de poder – mas esta é outra conversa.] Este partido acabou por ocupar, com incomparável peso e tamanho, o horizonte político-mental do povo madeirense e tornou-se sinónimo do próprio conceito de poder. [Devo notar que pretendo aqui simplesmente constatar e analisar. Sim, é preciso fazer notar.]
No presente, com a corrida à liderança do PSD, esta tendência é propensa a agudizar-se. Dir-se-á que o PSD está em baixa maré. Mas como, se, à boleia das rivalidades internas, ocupa cada vez mais espaço mediático, e cobra cada vez mais atenção? Qual o madeirense que, nos últimos tempos, nunca participou em diálogos acerca da corrida à liderança do partido maioritário, defendendo a sua “dama” ou execrando o seu “demónio”, ou simplesmente prevendo vencedores e vencidos. As opiniões, neste particular, nunca necessitam de grande fundamentação ou suporte empírico. Afinal, em terra tão pequena toda a gente se conhece. E conhece-se sempre alguém que disse que sabe que vai acontecer isto e aquilo, porque conhece fulano de tal, que é íntimo de beltrano, etc. e tal.
A política mostra o lugar que a Madeira é – e o lugar onde a política a deixou ficar: uma paróquia.
E o lugar das oposições? No conjunto, na opinião dos madeirenses as oposições existem para ocupar o lugar que lhes deu o PSD: quer dizer, existem para serem apoucadas e mofadas [sim, mofadas]. Poderíamos alvitrar, até, que algumas interiorizaram esse estatuto. [Também esta é outra conversa.]
Para terminar, um outro fenómeno existe, conectado com o anterior: discutir política na Madeira – em Portugal? – é mormente um exercício de previsão. Não no que concerne ao sucesso ou fracasso de políticas económicas, por exemplo [deixemo-nos de coisas], mas de novo no que respeita aos resultados – unção dos vencedores; imolação dos vencidos – dos jogos de poder intestinos [no interior dos partidos].
É verdade: somos bons videntes e bons ilusionistas; e adoramos palhaços, trapezistas e contorcionistas. Um circo, portanto. [Não era necessário dizê-lo, mas fica dito.]

[Crónica publicada no Diário de Notícias – Madeira, 05-IX-2014, p. 10.]

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