quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Crónica 30 [Quando]


Quando houver verdadeira consideração pela propriedade pública, pelos bens públicos. Quando se deixar de pensar: “O que é meu é meu; o que é teu é teu; o que é nosso é meu”. Quando os madeirenses deixarem de manifestar o orgulho que sentem pela beleza da sua terra através de actos como atirar uma embalagem vazia para dentro de uma ribeira – ou uma beata para o chão. [Deus me perdoe.]
Quando a geração que pôde usufruir da generalizada melhoria de condições de vida, e do acesso à liberdade, após o 25 de Abril, compreender os anseios, as circunstâncias e os sentimentos das gerações posteriores. [E vice-versa – sim, um pouco também vice-versa.]
Quando houver liberdade de criação – quando o que se fizer e disser, em liberdade e dentro da lei, não revogar amizades e criar inimizades e tentativas de anulação e sabotagem.
Quando este povo, religiosa e culturalmente cristão, passar a ser mais Cristo – e menos Sinédrio.
Quando este povo perder o preconceito de superioridade – e, sobretudo, o preconceito de inferioridade.
Quando a política deixar de se imiscuir em tudo – na família, nas amizades, no trabalho, na vida privada. Quando a política deixar de confundir tudo – ou as pessoas deixarem de confundir tudo por causa dela.
Quando pertencer a um partido não for um elemento fulcral para o futuro profissional e pessoal. Quando não pertencer a um partido não for um elemento funesto para o sucesso profissional e pessoal. Quando pertencer a um determinado partido for um elemento fulcral / funesto [risque-se o que não interessar] para a concretização profissional e pessoal.
Quando houver verdadeiros projectos – económicos, empresariais, políticos, culturais, sociais, associativos… – e não meros projectos pessoais de poder. [Repita-se: projectos pessoais de poder.]
Quando discutir política regional não consistir, no conjunto, em falar da vida interna – das redes, das quezílias, das parcerias – do partido maioritário [e depois, mas só muito depois, dos partidos da oposição].
Quando se deixar de reproduzir chavões, conceitos e adjectivos políticos forjados há 40 anos. Quando se deixar, 40 anos depois, de acreditar em homens providenciais [com mais ou menos maquilhagem política].
Quando nos deixarmos de boas intenções alardeadas que anulam o discernimento e as tomadas de posição.
Quando o medo não for um problema público, ou uma desgraça pública.
Quando se souber que o meio é pequeno, por vezes claustrofóbico – e que assim é pelas atitudes de algumas das suas gentes.
Quando deixarmos de ser convencionais e moralistas – quando deixarmos, por exemplo, de pensar e dizer – e escrever – “quando”.
Quando… Quando? Não sei. Mas, a despeito do que muita gente poderá defender, considero que esse “quando” não é hoje – não é a Madeira do ano da graça de 2015.
[Referi-me, nesta crónica, somente a aspectos culturais e políticos – a mentalidades e psicologia colectiva. Nem por um momento se me varre da mente as adversas condições económicas e sociais por que passa o arquipélago da Madeira – e Portugal, no seu conjunto. Essa, porém, é outra crónica.]

[Crónica publicada no JM, 08-IX-2015, p. 2]

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