segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Crónica 9

Dispersão é o signo do nosso tempo [Egocentrismo é o outro signo – talvez o verdadeiro signo – mas não falarei disso agora. Não quero – não posso – me dispersar.]
As opções abriram-se na hodiernidade, como nunca na História. E as escolhas urgem e perseguem-nos – em tudo. As ansiedades que nos assolam, patológicas ou não [quem saberá a diferença?], têm por esteio axial a angústia em arrostar uma escolha entre duas, três, muitas opções – nas relações interpessoais, nas coisas materiais.
Ademais, já não há costumes – e já não há normas sociais. Quer dizer, há. Duram pouco, muito pouco, e sobretudo não se admite que sejam ancorados em costumes e normas grávidos de séculos. [Não posso estar a inserir constantes variáveis no discurso; esquematizemos a realidade para que possamos falar dela.]
As nossas opções não são, afinal, as dos nossos avoengos. Dispersamo-nos hoje entre amigos – virtuais, sobretudo, ainda que de carne e osso [Quem pode, hoje, nomear um trejeito ou um meneio de um amigo?]; dividimo-nos entre sentimentos e paixões e amores; espartilhamo-nos entre escolhas de opções profissionais e educacionais; não discernimos entre múltiplas formas de ocupar o tempo, moribundo de tão vazio [e no qual somos moribundos e vazios].
Muitos de nós, portanto, vêem-se deambular entre espaços sem cheiro, sem toque e sem gradações de cor solar – apenas cores aberrantes e sons ajustáveis de imediato. Por aí adiante. Ou por aqui parados.
O mundo abriu-se. Nós, desgraçados, devolvemos-lhe medo, dormência, tédio, insónia, adiamento, dispersão. Na senda de mantermos opções em aberto, nada escolhemos e tudo coleccionamos – experiências, ideologias, agressões, limites, palavras –, como troféus enrodilhados num fio de memória que apresentamos, orgulhosos [pensamos nós], aos nossos semelhantes. E assim fazemos para calar o silêncio incómodo que não suportamos, e para escapar do verdadeiro afinco em tomar um trilho decidido.
De modo que nada nos define. Não somos crentes nem descrentes. Não somos simples nem complexos. Não sabemos algo nem o contrário. Não fazemos isto sem fazer aqueloutro.
Arcamos com uma opressão que os mais velhos não sentiram [e que não compreendem] e que os mais novos não sentirão – e que os fará execrar-nos.
Sobre nós pende o fardo, a impostura, de sermos o tempo da transição – ou de inaugurarmos o tempo da constante transição – e de termos de explicá-lo [a este tempo] aos vindouros. Explicar e justificar as nossas irresoluções. Quem compreende? Quem compreenderá?

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